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Quinta-feira, 16 de Outubro de 2025, 08h:06 - A | A

A volta do terror

Hamas replica Talibã ao retomar execuções públicas

Grupo resgata punições exemplares como instrumento de poder e de disciplinamento social; retomada da violência pública ecoa o modelo do Talibã após a reconquista do Afeganistão em 2021

Jonadabio Candido

Após o recuo do Exército de Israel, o grupo palestino Hamas passou a empregar execuções públicas em Gaza, em meio a choques com facções rivais e a tentativa de restabelecer seu domínio sobre o enclave. A cena, registrada em vídeos que circulam nas redes sociais e reproduzida por meios oficiais do próprio Hamas, remete às punições que o Talibã defendeu e voltou a praticar quando reassumiu o poder no Afeganistão, há quatro anos.

Em setembro de 2021, o então ministro das Prisões do governo provisório do Talibã, o mulá Nooruddin Turabi, declarou à agência Associated Press que execuções e amputações de membros voltariam a ocorrer como forma de punição, em conformidade com a lei islâmica. “Cortar as mãos é muito necessário para a segurança”, afirmou à época, ao dizer que o grupo seguiria as leis do Alcorão e não aceitaria interferência estrangeira.

As declarações provocaram reação imediata dos Estados Unidos, à época. O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, classificou as punições como “abusos flagrantes dos direitos humanos” e alertou que o retorno das execuções dificultaria o reconhecimento internacional do governo talibã.

Internamente, figuras do regime afegão chegaram a defender a exposição pública das sentenças, como o delegado de Informação e Cultura da província de Kandahar, Noor Ahmed Sayed, que via nas execuções uma “terapia social” para inibir crimes:

— Quando você executa alguém na frente de todos, é para dar uma lição e você obtém resultados muito bons, porque todos vêem o que pode acontecer com eles — disse Sayed ao jornal El País, explicando calmamente: — Executar pessoas e esse tipo de coisa era algo raro. Tratava-se de pessoas que haviam cometido muitos assassinatos comprovados. Tudo isso aconteceu de acordo com a sharia [lei islâmica]. Se alguém mata alguém, deve ser morto. Mas a família do assassinado pode salvar sua vida.

As execuções em praças e estádios, comuns durante o primeiro governo do Talibã (1996–2001), haviam se tornado um dos símbolos mais sombrios daquele período.

Agora, o padrão se repete na Faixa de Gaza, com homens encapuzados executando supostos criminosos diante de multidões. O Hamas, que voltou a ocupar zonas desocupadas pelo Exército israelense após a primeira fase do acordo de paz, afirma agir para “garantir a ordem e restaurar a lei” após dois anos de guerra e colapso institucional.

Moradores, contudo, se dividem quanto às ações do grupo.

— Por que as pessoas estão comemorando o caos? Um homem mascarado mata outro homem mascarado sem nenhuma prova, sem investigação, sem um tribunal, sem sequer um período de espera para apelação: como chamamos isso? Resistência? Não, isso é ilegalidade — disse o advogado Mumen al-Natoor, morador de Gaza, em entrevista à rede britânica BBC. — Aqueles que matam sem lei são criminosos. Nós os responsabilizaremos. Somos testemunhas do capítulo mais sombrio da nossa história.

Outros veem na ofensiva uma tentativa de restabelecer a segurança perdida.

— Começamos a nos sentir seguros — afirmou Abu Fadi al Banna, de 34 anos, em Deir al-Balah, no centro de Gaza. — Começaram a organizar o trânsito e a desobstruir os mercados. Nos sentimos protegidos dos delinquentes e dos ladrões.

Terror e punição como espetáculo de poder
A reprodução da violência pública como demonstração de autoridade revela uma mesma lógica, tanto em Cabul quanto em Gaza: grupos fundamentalistas usam o terror e o espetáculo da punição como instrumentos de poder político. No Afeganistão, o Talibã justificou as amputações como cumprimento da sharia; em Gaza, o Hamas enquadra as execuções como medidas de segurança.

A semelhança evidencia um padrão mais amplo de governos de inspiração islamista que emergem do colapso estatal e recorrem à violência ritualizada para afirmar legitimidade. Assim como o Talibã buscava reconhecimento após a retirada americana, o Hamas tenta consolidar controle territorial em meio ao vácuo de poder e às exigências internacionais por um desarmamento e um novo governo palestino.

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