Planilhas e quebras de sigilo obtidas por autoridades federais revelam que entidades envolvidas no esquema bilionário de fraudes contra aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) repassaram pelo menos R$ 110 milhões a empresários e empresas de crédito consignado. O escândalo, revelado pelo Metrópoles em dezembro de 2023, fundamentou uma megaoperação da Polícia Federal (PF) deflagrada em abril deste ano, que investiga desvios que podem chegar a R$ 6,3 bilhões.
A operação, batizada de Sem Desconto, resultou nas demissões do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi, em meio à crescente pressão sobre o governo federal. Segundo a PF, associações suspeitas de fraudar filiações de aposentados firmaram contratos com empresas de crédito consignado para captar novos associados — em um modelo que remunerava as operadoras com percentuais dos valores descontados diretamente da folha de pagamento dos beneficiários.
Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2023 já havia detectado centenas de milhares de descontos associativos ocorrendo em datas próximas à contratação de empréstimos consignados. Conforme dados oficiais, cerca de 9 milhões de aposentados foram afetados e devem começar a ser notificados nesta semana para o início do plano de ressarcimento.
Amar Brasil lidera elo com empresários
Entre as entidades envolvidas, a Amar Brasil Clube de Benefícios se destaca como a que mantém maior vínculo com empresários do setor de crédito consignado. Presidida por Américo Monte, a entidade faturou R$ 324 milhões desde 2022, quando firmou acordo com o INSS durante a gestão do ex-ministro José Carlos de Oliveira (PSD).
Monte é pai de Américo Monte Jr, dono de empresas de crédito investigadas anteriormente por fraudes, incluindo suposta falsificação de assinaturas de aposentados. Segundo apuração do Metrópoles, a Amar Brasil repassou R$ 25 milhões para uma empresa do filho de Monte, além de outros R$ 54 milhões a diferentes companhias do mesmo grupo familiar.
Outras entidades e empresários investigados
Outras associações que operam de maneira semelhante são a Ambec (Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos), a Unabrasil (União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil) e o Cebap (Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas). Juntas, essas entidades movimentaram R$ 580 milhões em descontos de mensalidades desde que firmaram contratos com o INSS durante os governos Lula e Bolsonaro.
Todas são ligadas ao empresário Maurício Camisotti, conhecido no setor de seguros e planos de saúde. A investigação aponta que pelo menos R$ 15 milhões foram transferidos a empresas de Hebert Menocchi, ex-gerente do banco BMG, a partir dessas entidades.
Como funcionava o esquema
Contratos obtidos pela reportagem mostram como funcionava o mecanismo de repasse: 100% da primeira mensalidade descontada dos aposentados e 21% das demais contribuições mensais eram destinadas às empresas responsáveis pelas filiações. Planilhas da Cebap e da Ambec apontam, respectivamente, repasses de R$ 6,8 milhões e R$ 8 milhões a essas companhias.
Segundo o TCU, os descontos associativos triplicaram entre 2023 e 2024, atingindo R$ 2 bilhões em apenas um ano. Entre janeiro e outubro de 2023, foram registradas 482 mil filiações com datas próximas à contratação de empréstimos consignados, num total de R$ 74,6 milhões em descontos nesse período.
Apesar disso, o órgão ponderou que, “a despeito dessas proximidades de datas, não se pode afirmar que são vendas casadas”, prática considerada ilegal.
Governo tenta reagir
Na última quinta-feira (8), o atual presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, determinou o bloqueio de novos descontos de empréstimo consignado para todos os segurados, medida que segue orientações do TCU para combater fraudes. O órgão já havia recomendado ações mais duras desde junho de 2024, com foco na proteção dos aposentados.
Em meio à repercussão do caso, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) divulgou um vídeo nas redes sociais afirmando que o escândalo do INSS envolvia até R$ 90 bilhões em empréstimos consignados. A Controladoria-Geral da União (CGU) desmentiu a afirmação, esclarecendo que esse valor representa o volume total de crédito consignado em um ano, e que a investigação da PF se restringe a R$ 6,3 bilhões em descontos indevidos de mensalidades associativas.